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EXTORSÃO NA BR-290
Argentinos relatam como eram os achaquesO inquérito que resultou na prisão de cinco agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) do posto de Pantano Grande, no Vale do Rio Pardo, semana passada, está fundamentado em filmagens e gravações, além de outras provas técnicas.
Mas a investigação começou e está embasada, sobretudo, em depoimentos. Dezenas deles. Pessoas que não gostam de se incomodar, desta vez, ganharam coragem para relatar casos sistemáticos de achaques.
Ricos em detalhes, os testemunhos são o alicerce dessa investigação.Zero Hora foi atrás dessas testemunhas. A maioria reside na Argentina e estava no Brasil a turismo.
Apesar de passados vários meses do episódio, trazem vívida na memória a humilhação e o medo que a abordagem policial lhes causou. Muitas relutam em voltar ao território brasileiro.
Outras ficam agradavelmente surpresas ao saber que seus relatos de achaque foram levados a sério e resultaram na prisão de cinco patrulheiros.De acordo com os turistas, o crime funcionava como uma caçada.
Os policiais rodoviários ficavam com a viatura parada à sombra de árvores, à espreita dos turistas que percorriam a BR-290, principal artéria viária a ligar a fronteira ao litoral gaúcho.
O ponto era sempre o mesmo: após uma ponte, numa descida.Quando o veículo argentino passava, era barrado.
O motorista era intimidado, ameaçado de ter o carro apreendido – o que não está previsto na aplicação das multas – e convidado a negociar o valor da autuação. Em alguns casos, a infração até nem tinha acontecido, asseguram as testemunhas.Mais de uma dezena de argentinos relataram terem sido extorquidos em apenas um dia, 17 de janeiro.
Um deles é o bancário Horacio Omar Borneo, 50 anos, que se deslocava de Buenos Aires para Florianópolis.
Entrou no Rio Grande do Sul por Uruguaiana e, nas imediações de Pantano Grande, foi abordado por policiais na estrada.
Ele admite ter ultrapassado em faixa dupla, sobre uma ponte. Dois patrulheiros o obrigaram a sair do seu veículo, um Gol. Borneo afirma que um dos patrulheiros alertou: poderia pagar R$ 280 de multa com papel ou R$ 100, sem papel. Ele aceitou pagar duas notas de R$ 50, colocadas embaixo do formulário de multas, entre as folhas e a prancheta.
– Costumo passar férias, uma vez a cada dois anos, em Cachoeira do Bom Jesus (praia de Florianópolis). Agora, fiquei inseguro, porque os policiais fazem filas de carros argentinos para cobrar coima (propina).
Para mim, a imagem da Polícia brasileira é deplorável – lamenta Borneo.Com metade da idade de Borneo e perfil oposto – estudante e esportista –, Maximiliano Esposatto, 25 anos, também se declara decepcionado com a polícia brasileira. No mesmo 17 de janeiro, ele entrou por Uruguaiana e foi abordado logo após a mesma ponte em que tinham surpreendido Borneo.Um policial ordenou que descesse do seu Gol e disse que a multa a pagar era de R$ 100, sem recibo.
Maximiliano diz que pegou duas notas de R$ 50 e colocou embaixo dos documentos do carro, que levava três pessoas. No mesmo momento havia quatro veículos argentinos esperando para serem multados pelos policiais.
O jovem, que frequenta há três anos Canasvieiras (em Florianópolis) e Ferrugem (em Garopaba), se diz surpreso.– Paguei porque não sabíamos se seríamos presos e havia mulheres entre nós. Isso na Argentina é comum, mas nunca tinha vivenciado algo parecido no Brasil.
O bom é que aqui fizeram alguma coisa, com a prisão desses policiais – elogia Maximiliano, que pretende voltar.
O comerciário Mário Alberto Kletzky viajou desde Gualeguay (província de Entre-Rios, fronteiriça com o Rio Grande do Sul) até Florianópolis, onde há seis anos alterna veraneios entre as praias de Canasvieiras e Joaquina. Em 17 de janeiro, entrou no Brasil por Uruguaiana, num comboio de 10 carros argentinos. Foi abordado por policiais na mesma lomba e ponte de Pantano Grande.
O patrulheiro o levou para perto da viatura, que estava estacionada no local. Avisou que, pela ultrapassagem, seria paga multa de R$ 567. E que poderia ter o carro apreendido na volta de Florianópolis, caso não pagasse.
Outro policial ofertou pagamento de apenas 50% do valor da autuação, no ato, sem necessidade de comprovante.Kletzky confirma que entregou US$ 100 ao policial, colocando a nota embaixo da prancheta de multas, que estava no porta-malas do Ford Focus policial.
– Se eu não pagasse, eles iam ficar com meus documentos retidos. Só devolveram depois que coloquei o dinheiro no carro – reclama o argentino, que temeu que os policiais colocassem no sistema de informática dados falsos, apontando-o como um criminoso. Ele reluta em retornar ao Brasil.
Fonte: Jornal Zero Hora, 24/05/09