Enquanto a multa mais aplicada às mulheres é por excesso de velocidade, homens são mais punidos por alterar o carro. Eles se preocupam com a beleza de seus carros. Elas pisam fundo. O resultado disso é um saldo de 76,3 mil multas aplicadas no Estado em 2010. A inversão de estereótipos revelada por um levantamento sobre as autuações registradas no primeiro semestre deste ano surpreende especialistas e preocupa autoridades.
As mulheres estão mostrando uma outra face – bem menos prudente do que se imaginava. De acordo com dados do Departamento Estadual de Trânsito (Detran), a infração número 1 entre as condutoras gaúchas é o excesso de velocidade. Isso significa, segundo a psiquiatra Carla Bicca, da Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, que as mulheres podem estar buscando, também no trânsito, a igualdade entre os sexos. E estão fazendo isso de uma forma perigosa.
Os homens, embora continuem sendo multados por acelerar além da conta, tornaram-se campeões em personalizar seus carros sem respeitar a lei. Se no passado os motoristas turbinavam motores, hoje o investimento tem foco na estética. Muitos optam por rodas esportivas, películas escuras e suspensão rebaixada e alteram as características do veículo, o que é proibido pelo Código de Trânsito Brasileiro.
– Ao mesmo tempo em que as mulheres ficaram mais agressivas na direção, os homens estão mais preocupados em ter um carro bonito, cheio de detalhes. É o reflexo das mudanças em curso na nossa sociedade – explica Carla.
Nessa guerra dos sexos às avessas, os homens ainda são mais imprudentes do que as mulheres. Apesar de representarem cerca de 70% dos 3,8 milhões de condutores habilitados, eles respondem por 88% das infrações registradas nos seis primeiros meses de 2010.
"O automóvel é o carrinho de brinquedo que cresceu”
João Santanna, pilotoPara o piloto João Santanna, cinco vezes campeão das 12 horas de Tarumã e dono de oficinas, personalizar faz parte da cultura da brasileiro:
Zero Hora – Os gaúchos recebem mais multas por alterar as condições dos seus veículos do que por exceder a velocidade permitida. Essa informação surpreende o senhor?
João Santanna – Não. O automóvel é o carrinho de brinquedo que cresceu. É cultural. O brasileiro gosta de personalizar seu veículo. Isso não é de hoje.
Zero Hora – Algumas alterações não são permitidas. Além de multa, podem prejudicar a segurança do veículo. Qual é a medida certa?
Santanna – É preciso respeitar o que diz a legislação. Eu também personalizo meus carros, gosto de uma roda esportiva, por exemplo, mas cuido para não ultrapassar a linha do paralama. Assim, fico dentro da lei. Motoristas mais novos estão menos atentos a isso.
Zero Hora – No dia a dia, o senhor nota essa tendência?
Santanna – Na pintura, sim. Lá, o cliente que vai consertar um veículo sinistrado, já aproveita para fazer algo diferente na lataria ou instalar algum acessório. As montadoras estão atentas a esse desejo dos brasileiros.
Excesso de vaidade
A vaidade masculina está por trás de 28% das infrações cometidas pelos gaúchos em 2010. Das 235 mil multas registradas até junho no Estado, 66 mil estão relacionadas à circulação de veículos com acessórios proibidos pelo Código de Trânsito Brasileiro ou dispositivos de segurança e identificação fora dos padrões legais. Já os flagrantes por excesso de velocidade, captados por radares e lombadas eletrônicas, ficaram em segundo lugar no ranking das autuações, elaborado pelo Departamento Estadual de Trânsito (Detran).
Nas últimas décadas, os gaúchos passaram a investir na personalização estética de suas máquinas. Rodas e escapamentos esportivos, suspensão rebaixada, películas escuras são as modificações mais comuns. E as que mais se convertem em multas nos prontuários desses motoristas.
– O homem é mais vaidoso com seu carro. A mulher é vaidosa com ela mesma. O problema é que, muitas vezes, o condutor não respeita a legislação – avalia o psicólogo Paulo Afonso da Rosa Santos Filho, chefe da Coordenadoria Psicológica e Médica do Detran.
No trânsito, porém, a vaidade estaria acompanhada da vontade de transgredir. Mesmo sabendo que o veículo mexido pode ser autuado na esquina de casa, os condutores insistem em investir em mudanças que desrespeitam as normas de segurança.
– É como se dissessem: eu transgrido, e daí?! Isso já não acontece tanto com as mulheres, até por uma questão de formação – afirma a psiquiatra Nina Furtado.
Os motoristas e suas infrações
NÚMEROS DE CONDUTORES
Homens 2.745.244 (70,76%)
Mulheres 1.139.390 (29,3%)
Total 3.884.634
(*) Dados do Detran, em junho de 2010
NÚMEROS DE MULTAS EM 2010*
Homens 235.274 (88,4%)
Mulheres 31.274 (11,6%)
Total 266.290
(*) Dados do Detran, de 1º de janeiro a 30 de junho
MULTAS ESTRANHAS REGISTRADAS EM 2010
- 1 por andar devagar (abaixo da metade da velocidade máxima permitida)
- 12 por arremessar objetos em pedestres
- 16 por usar luz alta em via iluminada
- 32 por não dar passagem a veículos de urgência, como ambulâncias
- 75 por buzinar de forma irregular
- 95 por furar bloqueio policial
- 103 jogar objetos na via
- 114 por andar em marcha ré
- 349 por dirigir ameaçando pedestres
“As mulheres estão sobrecarregadas”
Cristina Rosito, pilotoApaixonada por velocidade, a piloto Cristina Rosito, 42 anos, acredita que as mulheres estão correndo demais em função de um novo espaço que começaram a ocupar na sociedade e por excesso de compromissos:
Zero Hora – A principal causa de multas entre as mulheres é o excesso de velocidade. Como você avalia isso?
Cristina Rosito – Acho que as mulheres estão sobrecarregadas. Além do trabalho, cuidam da casa e dos filhos. Para conseguir fazer tudo, correm mais. Fora isso, os carros de hoje são muito potentes. As mulheres precisam tomar cuidado para não acelerar demais.
ZH – Você enfrentou preconceito quando decidiu pilotar?
Cristina – Sim, direto. Muitas vezes ganhei corridas, e os pilotos não queriam subir no pódio comigo. Há 20 anos, os caras se achavam muito machos. Tive de ganhar muitas vezes para que passassem a me respeitar.
ZH – Que conselho você dá para as mulheres que gostam de pisar fundo?
Cristina – Quem gosta de correr deve procurar um desses circuitos de kart indoor ou mesmo escolinhas de pilotagem, que existem no Velopark e em Tarumã. São locais especiais para isso. É mais seguro.
Excesso de velocidade
O mito de que as mulheres são mais cautelosas ao volante ficou para trás – estatisticamente. Segundo números do Departamento Estadual de Trânsito (Detran), elas estão pisando mais no acelerador, e as consequências da imprudência já começaram a aparecer: nos últimos seis meses, as multas por excesso de velocidade atingiram o topo do ranking das infrações entre as motoristas gaúchas.
Na raiz do comportamento de risco, especialistas identificam um processo mais amplo de mudanças. A origem do fenômeno, conforme a psiquiatra Carla Bicca, da Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, está nas fileiras da revolução feminina e remonta às décadas de 1960 e 70.
Elas conquistaram o mercado de trabalho e conseguiram acumular economias para comprar o próprio carro, até então uma exclusividade dos homens. Na primeira década do século 21, elas já representam 30% dos 3,8 milhões de condutores brasileiros.
– O reflexo desse processo está nas meninas de hoje. Fazem tudo que os homens fazem, inclusive correr de carro – afirma Carla.
Para a psicóloga Maria Luísa Pereira de Oliveira, as mulheres estão cada vez mais sobrecarregadas. A imprudência, nesse caso, seria reflexo de uma contingência.
Para Eduardo Cortez Balreira, consultor do Sindicato dos Centros de Formação de Condutores (CFCs) do Estado, a tendência é preocupante:
– Pode ser necessária uma mudança nos CFCs. As mulheres merecem atenção.
francisco.amorim@zerohora.com.br
juliana.bublitz@zerohora.com.br
FRANCISCO AMORIM E JULIANA BUBLITZ
Fonte: Zero Hora, 29/07/2010