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sábado, 2 de junho de 2012

Beber e Dirigir

Adoro pegar o carro e sair com a família. Para mim isso sempre foi motivo de alegria. No entanto, este sentimento de felicidade tem se confundido cada vez mais com a sensação de medo e insegurança. Talvez o fato de estar ficando velho, não sei. O que acontece é que cada vez tenho achado mais complicado cada deslocamento.
É muito provável que a causa dessa transformação comportamental seja a exposição que a mídia tem feito acerca dos acidentes e mortes no trânsito. Exposição essa que acho justa, afinal de contas estamos realmente vivendo a época de uma guerra velada, não declarada oficialmente, mas que ceifa milhares de vidas a cada ano. E ninguém me tira da cabeça que os culpados são, única e exclusivamente, os motoristas. Cada vez que saio de casa assisto um festival de imprudências, negligências e arrogância. Sim, arrogância, a capacidade que temos de achar que estamos certos mesmo quando cometemos erros absurdos; a capacidade que temos de não aceitar o fato de não sermos perfeitos.
Uma das campanhas mais fortes expostas pelos canais de comunicação em geral é a respeito da bebida e da direção. A combinação mortal, mesmo (e principalmente) em doses pequenas, nos é apresentada diariamente a partir de todas as direções, da TV à internet; de outdoors às salas de aula de nossos filhos.
Não vou criticar aqui o que bebe e dirige porque ao arrogante não importam as críticas. O arrogante ao ser criticado vai beber mais uma latinha antes de pegar a direção, apenas para mostrar que é melhor do que o critica. De maneira alguma quero fazer parte desse tiro que sai pela culatra.
Contudo, às vezes tenho a sensação de ter superpoderes. De ver além do que pode ser visto, de racionalizar além da inteligência daqueles que são pagos por mim para perceber aquilo que lhes cabe. Sim, porque é só abastecer o carro em qualquer posto de gasolina de minha cidade onde haja uma única mesinha, para ver pessoas bebendo cerveja ao lado de seus carros. Não são casos isolados, é generalizado.
Sou obrigado a entender a lei, para não ser multado e para não expor minha família ao risco, mas não consigo entender que nenhuma autoridade tem poder ou capacidade para entender que um posto de gasolina abarrotado de pessoas bebendo ao lado de seus carros é uma bomba prestes a explodir. Será que serve como argumento dizer que após tomar sua cerveja o motorista vai ficar ali sentado até o álcool ser eliminado por completo de seu organismo?
A maior hipocrisia do mundo é fazer campanhas contra álcool e direção em um país que vende bebidas alcoólicas em postos de combustíveis, e ainda oferece o espaço para seu consumo! Ninguém compra bebidas em lojas de conveniência para beber em casa, para isto os supermercados de grande porte estão abertos sete dias por semana e os serviços de tele-entrega de bebidas funcionam 24 horas por dia, ambos vendem cerveja mais barato que os postos de combustíveis. A bebida oferecida nestes locais é para consumo de quem está ou estará em breve no carro. Que poderosa indústria de dinheiro mesmo é esta dos postos de combustível, que consegue fomentar um número absurdo de mortes a cada noite e mesmo assim continuar funcionando sem que ninguém tenha coragem de tomar qualquer atitude que ponha fim à venda descontrolada de bebidas aos motoristas.
De cá torço de coração que estas pessoas que bebem cheguem vivas em suas casas ao final da festa, que mais nenhuma pessoa inocente seja vítima desta guerra torpe. Mas a quem estou iludindo? Na próxima segunda-feira tenho certeza que mais uma vez vou ouvir, apavorado, a contagem assustadora de mortes no trânsito, enquanto os donos de postos estarão fazendo a contagem do lucro obtido com a venda de cerveja no final de semana em suas lojas de conveniência.
Conveniência, nunca um nome caiu tão bem a um tipo de estabelecimento comercial.
*Professor de informática e blogueiro
Fonte: http://www.zerohora.com/, 01 de junho de 2012
Leandro de Araújo*